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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Vou ler-te uma carta mãe...


Acordei sobressaltada. Aliás, mal tinha dormido naquela noite. Não percebia bem porquê, afinal até estavas um pouco melhor no dia anterior, tinhas apertado a minha mão e sorrido para mim. Ainda assim, fora do que era habitual, mal acordei quis ir ao hospital. Não era hora de visita mas eu entrava e saía a qualquer hora.
Nunca vou esquecer a cama vazia, o medo, a falta de ti, o corpo a escorregar parede abaixo enquanto o médico me tentava abraçar e dizer aquilo que ninguém quer ouvir: ‘tens de ser forte’! Como pode alguém ser forte quando lhe tiram um pedaço de vida? Como pode alguém ser forte quando tem de ir para casa e dizer, ao homem que amou uma mulher por mais de 40 anos, que ela não vai voltar? Como pode alguém ser forte quando não foi a tempo de parar o tempo?
Ainda hoje me pergunto o que falamos na última noite…apagou-se-me tudo da memória! E vivo com este medo de não te ter dito o quanto te amava, de não te ter repetido o quanto precisava de ti na minha vida…
Éramos tão diferentes! Discordávamos em quase tudo, chocávamos de frente nas nossas convicções, medíamos forças, travávamos batalhas…mas em todas elas vencia o amor que me tinhas e que eu te tinha! E o amor de mãe, ensinaste-me tu, pode exprimir-se nos silêncios, pode interpretar-se por linhas tortas, pode manifestar-se de várias formas mas será sempre, um amor incondicional e único!
Escrevi-te imensas vezes ao longo dos anos…sabes que sempre fui de escrever! Acabo sempre a ler em voz alta o que te escrevo, não vá o pai não estar aí para te ler as minhas cartas. Escrevo-te porque sei que nem sempre estás feliz por mim, que nem sempre te orgulhas do percurso que tracei, que nem sempre sou o que tu idealizaste para mim! Continuo a ser a teimosa do costume, a rebelde sem causa, a que não aceita que lhe ditem regras, a que não se deixa guiar por outros, a que sabe sempre o caminho a seguir mesmo que esteja perdida. Continuo a ser eu, a que não se deixa moldar, a que não se deixa apanhar na rede do que é certo e politicamente correto. Tentei, sabes que sim! Tentei ser a mulher que foste…mas eu sou eu mãe, ainda que com um enorme orgulho em tudo o que eras e, no quanto me ensinaste a ser!
Dizias-me tantas vezes: ‘um dia, quando fores mãe, é que me vais dar valor!’ Juro que me lembrei disso, naquele dia, quando aquela maldita ecografia me disse que o coração do meu bebé não batia…juro que senti a mesma dor e o mesmo vazio do dia em que vi a cama de hospital vazia! Queria passar para ele (tinha a certeza que era um rapaz!) uma parte de ti, queria passar para ele o que de melhor me deixaste, queria mostrar-te que tinha aprendido contigo, a ser uma mãe de amor, como tu sempre foste! O tempo, mais uma vez, não me deu tempo…
Sinto-te a falta. Em cada um destes 16 anos, sinto-te a falta…
Não me lembro se to disse naquela última noite, enquanto me apertavas a mão e sorrias, mas amo-te mãe, amo-te com o mesmo amor incondicional que me ensinaste, com a mesma verdade com que me educaste, com a mesma inesgotável saudade que só quem ama sente…
Agora vou ler-te tudo isto em voz alta, não vá o pai não estar aí para te ler mais esta carta!

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