Acordei sobressaltada. Aliás, mal tinha dormido naquela
noite. Não percebia bem porquê, afinal até estavas um pouco melhor no dia
anterior, tinhas apertado a minha mão e sorrido para mim. Ainda assim, fora do
que era habitual, mal acordei quis ir ao hospital. Não era hora de visita mas
eu entrava e saía a qualquer hora.
Nunca vou esquecer a cama vazia, o medo, a falta de ti, o
corpo a escorregar parede abaixo enquanto o médico me tentava abraçar e dizer
aquilo que ninguém quer ouvir: ‘tens de ser forte’! Como pode alguém ser forte
quando lhe tiram um pedaço de vida? Como pode alguém ser forte quando tem de ir
para casa e dizer, ao homem que amou uma mulher por mais de 40 anos, que ela
não vai voltar? Como pode alguém ser forte quando não foi a tempo de parar o
tempo?
Ainda hoje me pergunto o que falamos na última
noite…apagou-se-me tudo da memória! E vivo com este medo de não te ter dito o
quanto te amava, de não te ter repetido o quanto precisava de ti na minha vida…
Éramos tão diferentes! Discordávamos em quase tudo,
chocávamos de frente nas nossas convicções, medíamos forças, travávamos
batalhas…mas em todas elas vencia o amor que me tinhas e que eu te tinha! E o
amor de mãe, ensinaste-me tu, pode exprimir-se nos silêncios, pode interpretar-se
por linhas tortas, pode manifestar-se de várias formas mas será sempre, um amor
incondicional e único!
Escrevi-te imensas vezes ao longo dos anos…sabes que sempre
fui de escrever! Acabo sempre a ler em voz alta o que te escrevo, não vá o pai
não estar aí para te ler as minhas cartas. Escrevo-te porque sei que nem sempre
estás feliz por mim, que nem sempre te orgulhas do percurso que tracei, que nem
sempre sou o que tu idealizaste para mim! Continuo a ser a teimosa do costume, a
rebelde sem causa, a que não aceita que lhe ditem regras, a que não se deixa
guiar por outros, a que sabe sempre o caminho a seguir mesmo que esteja
perdida. Continuo a ser eu, a que não se deixa moldar, a que não se deixa
apanhar na rede do que é certo e politicamente correto. Tentei, sabes que sim!
Tentei ser a mulher que foste…mas eu sou eu mãe, ainda que com um enorme
orgulho em tudo o que eras e, no quanto me ensinaste a ser!
Dizias-me tantas vezes: ‘um dia, quando fores mãe, é que me
vais dar valor!’ Juro que me lembrei disso, naquele dia, quando aquela maldita
ecografia me disse que o coração do meu bebé não batia…juro que senti a mesma
dor e o mesmo vazio do dia em que vi a cama de hospital vazia! Queria passar
para ele (tinha a certeza que era um rapaz!) uma parte de ti, queria passar
para ele o que de melhor me deixaste, queria mostrar-te que tinha aprendido
contigo, a ser uma mãe de amor, como tu sempre foste! O tempo, mais uma vez,
não me deu tempo…
Sinto-te a falta. Em cada um destes 16 anos, sinto-te a
falta…
Não me lembro se to disse naquela última noite, enquanto me
apertavas a mão e sorrias, mas amo-te mãe, amo-te com o mesmo amor
incondicional que me ensinaste, com a mesma verdade com que me educaste, com a
mesma inesgotável saudade que só quem ama sente…
Agora vou ler-te tudo isto em voz alta, não vá o pai não
estar aí para te ler mais esta carta!
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