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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A mochila...



Encho o copo de vinho tinto, na esperança de que o néctar divino me faça flutuar e levar, por momentos, este cansaço que me pesa no corpo.
O cão já foi á rua e agora, ao sentir-me finalmente por perto, dormita no sofá.
As compras estão feitas e o frigorífico voltou a ganhar cor depois de mais uma ausência que o deixou vazio.
...
A casa está em silêncio. Hoje não vou para a cozinha.
Hoje vou deixar-me estar, de copo de vinho na mão, a imaginar como seria se tivesse menos 15 anos. Hoje vou imaginar que o cão não precisa de mim, que não existe uma hipoteca para pagar, de uma casa que eu dispensava ter, que não existe um trabalho que me suga as forças e me faz escrava de um ordenado que, á vista de outros, me devia deixar feliz.
Hoje vou imaginar que faço as malas com pouco mais do que alguns trapos, uma máquina fotográfica, cadernos e canetas e um passaporte que me leva daqui. Fecho a porta e vou. Vou libertar-me destas rotinas e viver. Viver com pouco, porque o muito já me basta. Não quero a casa, não quero o carro, não quero os gadgets. Não quero ser obrigada a agradecer todos os dias porque tenho mais do que muitos… mas muito pouco do que preciso.
Queria ir…ir em desapego, ir sem rede. Deixar para trás o que é e descobrir o que pode ser. Queria conhecer novos sítios, novas gentes, novas línguas, novas formas de viver. Queria descobrir-me longe desta zona que mascarei de conforto. Queria sentir medo, queria sentir solidão, queria sentir saudade…não ter pressa de ir ou tempo de ficar. Sentir, viver, escutar apenas o coração. Guardar memórias, observar, criar histórias e inventar palavras. Ser.
Sinto que já não sou daqui, deste espaço que me prende, desta rotina que me cansa o corpo. Sinto que há algo melhor para além daquilo que me dão os dias.
Mas também sinto o cansaço no corpo e na alma, a lembrar-me que não tenho 20 anos.
Bebo mais um gole de vinho, olho para o cão que continua a dormir, passo os olhos pela casa á minha volta que ainda falta pagar, os telemóveis caros em cima da mesa, o computador a lembrar-me o trabalho que ainda não está acabado…
A casa está em silêncio…a máquina fotográfica está sempre pronta, o passaporte está em dia, os cadernos estão é espera de se encher de palavras. Fecho os olhos e vou, ainda que a porta continue fechada! A mochila leva pouco mais do que aquilo que é realmente meu: os sonhos!

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